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Por dentro da fascinante (e deliciosa!) ciência dos pães sourdoughs*.

*Sourdoughs são pães de fermentação lenta que usam apenas farinha, sal, água e levain (uma cultura de leveduras e outros micro-organismos selvagens presentes em nossas vidas que é capaz de fermentar massas).



O que faz as mãos de um padeiro diferente das mãos de outra pessoa? E como a farinha, água, bactérias e leveduras selvagens presentes no ar resultam em algo tão delicioso e único quanto um pão Sourdough. Rob Dunn, biólogo, resolveu investigar.

Traduzido do artigo publicado no site ideas.ted.com em 19/12/2018 / Rob Dunn


Um dia poderemos cultivar as espécies microbianas que mais precisamos em nossas vidas, para produzir uma colheita ao mesmo tempo, saudável, bonita e sublime.

Para fazer isso precisaremos de inteligência e do bom entendimento da biologia, da maior parte (se não todas), das espécies que vivem em nossos corpos e em nossas casas. Mas favorecer uma biodiversidade de bactérias, ao mesmo tempo inibindo espécies perigosas, não é uma ciência precisa - na verdade é muito parecida com o processo de fazer pães.


Existem milhares de espécies de bactérias e fungos no planeta. Mesmo assim, se você misturar água, farinha e deixá-las expostas ao ar por um tempo, a comunidade de organismo que colonizará a massa resultante é quase sempre composta de pequenos micróbios que conseguem fermentar massas. Essa comunidade - uma combinação de bactérias e leveduras selvagens presentes no ar, que sobrevivem num ambiente borbulhante, pegajoso, e com uma mistura ácida - é chamada de levain ou fermento selvagem.


Por que massa fermentada cresce? Porque os micróbios presentes na massa produzem dióxido de carbono que acaba preso em bolsões de ar dentro da massa. Se você cortar um pão de fermentação lenta pela metade, cada buraco presente é resultado da exalação de um grupo de leveduras contidas dentro de uma espécie de redoma de glúten. Sem esses micróbios, a massa não produziria dióxido de carbono. Por sua vez, sem glúten, a massa não conseguiria segurar o dióxido de carbono produzido por esses micróbios.

Enquanto a maioria dos pães comprados no supermercado são feitos por uma ou várias espécies de trigo, e algumas poucas espécies de leveduras, muitas padarias e padeiros caseiros continuam cultivando leveduras novas ou antigas, e como resultado conseguem um espectro bem amplo de sabores.

Quase todos os pães tradicionais fermentados com levain, tem o sabor levemente azedo, que normalmente é o resultado de algumas bactérias também encontradas em iogurtes, especies de Lactobacillus. Mais de 60 espécies diferentes de bactérias que produzem ácido-lácteo e meia dúzia de leveduras foram encontrados nas culturas de diferentes padarias ao redor no mundo. Ninguém ao certo sabe porque existem tantas variações.


Para conseguir investigar o porquê que essas culturas se diferem tanto, o time do my lab decidiu conduzir um estudo em 2 etapas. Na primeira etapa, convidados 15 padeiros de 15 países diferentes para produzir a mesma cultura de levain, usando os mesmo ingredientes, onde o único fator não controlável seria o corpo dos padeiros e o ar em suas casas ou padarias. Nessa etapa testaríamos a hipótese que os micróbios presentes no corpo do padeiro e em suas casas e padarias influencia de alguma forma os micróbios presentes na cultura de levain. Na segunda parte dessa etapa - uma pesquisa - catalogaria os micróbios dessas culturas feitas ao redor do mundo.

Para primeira parte, nos associamos com o Centro Puratos de Sabores do Pão em Saint Vith, Bélgica. Na primavera de 2017, Puratos nos ajudou a enviar nossas culturas e ingredientes para 15 padeiros. Uma vez que os padeiros criaram as culturas, eles continuaram a refrescar e cultivá-las com a mesma farinha fornecida por nós. No final do verão, nós identificamos os micróbios em cada cultura, e se esses eram provenientes da farinha, da água ou das mãos do padeiro ou do seu ambiente. Nós, nesse caso, éramos eu e a Anne Madden (TED talk: Meet the microscopic life in your home – and on your face), uma especialista na ecologia e evolução de leveduras.

Simultaneamente, nós iniciamos a segunda parte do projeto. Uma pesquisa global das culturas. Convidamos pessoas de qualquer lugar a compartilhar amostras de suas culturas. Nós suspeitávamos que nessas amostras encontraríamos novos tipos de micróbios, espécies presentes e características de uma determinada região ou talvez de uma só família. Muitas das culturas tinham histórias de mais de um século. A maioria tinham nomes. As pessoas conversavam com elas como animais, mas com um vínculo ainda maior. Um padeiro hoje, pode ter colocado as mãos na mesma cultura que sua mãe cultivou, e que pode ser a mesma que seu tataravô criou.


Enquanto isso, nós ficamos obcecados com uma questão que esperávamos responder em Saint Vith: De onde vem os micróbios presentes nas culturas levain? Para fazer um pão de fermentação lenta, sourdough, é preciso misturar apenas farinha e água, e de algum jeito, a combinação perfeita de bactérias e fungos aparecem. Como mágica!

Em agosto de 2017, os 15 padeiros e suas 15 culturas vieram para Saint Vith. Após introduções, eu e Anne colocamos as culturas na mesa e tiramos amostras. De um em um, abrimos os potes, inserimos hastes de algodão, e colocamos cada haste numa solução estéril. Visualmente observamos que as culturas eram diferentes. Algumas tinham o odor extremamente ácido, outras frutado. Quando eu e Anne terminamos, nós permitimos - para o alívio dos padeiros (e de suas culturas) - que refrescassem suas culturas (processo que adiciona um porção da cultura já fermentada com água e farinha fresca, descartando o restante da cultura já fermentada). As culturas começaram a borbulhar e, visivelmente, crescer.

Na manhã seguinte, depois que os padeiros passaram a noite bebendo cervejas Belgas (fabricada por monges usando uma mistura de fermentos e bactérias) e cantando músicas sobre pães (juro!), e suas culturas se deliciavam noite a dentro com uma boa dose de alimento, eu e Anne colhemos amostras das mãos dos padeiros. Depois, deixamos os padeiros produzirem pães com suas culturas de levain. Cada padeiro fez sua massa conforme uma receita básica compartilhada com todos, mas o resultado final foi diferente. Alguns padeiros foram suaves com suas massas, sovando a massa delicadamente. Outros eram mais agressivos. Algumas massas eram dobradas, outras batidas.

Na última noite tivemos uma degustação de pães com cerveja. Todos os pães foram expostos. Sentimos o aroma da casca de cada um. Apertamos os pães para sentir o aroma interno. Aproximamos os pães de nosso ouvidos para escutar o craquear, ou não, da casca. Tateamos o miolo para sentir a elasticidade. Provamos os pães sem acompanhamento, depois acompanhados de cerveja. Degustamos os sabores provenientes de diferentes tipos microbianos presentes em cada pão.


Nesse momento, começamos a acreditar que esses pães são de certa forma, uma maneira de experimentar a sutil biologia de nossas vidas. Nossos estudos laboratoriais das casas e corpos mostraram o quão diferentes são os micróbios presentes em cada corpo e cada ambiente. Esses micróbios devem - imaginamos - cair nessas culturas. Em um pão, copo de cerveja, ou pedaço de queijo, nós encontramos pistas do trabalho que essas espécies produzem para nós.

Por um tempo, esse foi o final da história. As amostras das culturas foram para o laboratório do meu colaborador microbiólogo, Noah Fierer, da Universidade do Colorado, onde esses DNAs seriam sequenciados e suas espécies identificadas. Após diversos meses, esse time nos enviou os resultados. Descobrimos que as bactérias e fungos presentes nas culturas de Saint Vith eram subespécies daquelas encontradas na pesquisa global. Naquela pesquisa encontramos várias espécies de leveduras e centenas de espécies de Lactobacillus e bactérias relacionadas. Diferentes micróbios, estavam presentes em diferentes regiões. Um fungo, por exemplo, era único da Austrália. Será que isso confere ao pão Australiano um sabor único? Pode ser. Nas culturas de Saint Vith, a diversidade de bactérias e fungos eram mais ou menos o esperado, posto que as amostras eram de um pequeno grupo de culturas e ingredientes controlados.


Quando olhamos os resultados das mãos dos padeiros. Baseado em estudos anteriores, sabíamos que todas as mãos (bem como nariz, umbigo, intestino e qualquer outra superfície do corpo) são cobertas por uma camada de micróbios. Imaginamos que quando lavamos as mãos, nós removemos esses micróbios. Errado. Se você pesquisa os micróbios da mão de uma pessoa, antes e depois dela lavar as mãos, observará que não há alteração na composição dessa população de micróbios pós lavagem das mãos.

Os micróbios mais comuns nas mãos segundo os estudos de Noah, e também de pesquisas de outros laboratórios, tendem a ser espécies de Staphylococcus, Corynebacterium e Propionibacterium. Achávamos que os Lactobacillus ajudariam a inocular a massa de sourdough, mas normalmente eles são raros nas mãos - algo em torno de 2% dos micróbios nas mãos de homens e 6% nas mãos de mulheres no estudo feito por Noah. Fungos podem estar presentes nas mãos, mas raramente são abundantes ou diversificados. Então, decidimos olhar nos resultados dos exames feitos em nossos padeiros.


A primeira surpresa: as mãos dos padeiros são totalmente diferentes de qualquer outra mão que já estudamos. Na média, de 25% a 80% de todas as bactéria presentes nas mãos eram Lactobacillus e espécies relacionadas. Similarmente, quase todos os fungos presentes nas mãos eram leveduras encontradas nas culturas de levain, como variações da espécie de Saccharomyces. Não tínhamos a menor ideia que isso era remotamente possível, e ainda não entendemos por completo.

Minha suspeita é porque os padeiros passam muito tempo com as mãos manipulando farinhas, e culturas levain, que suas mãos se tornam colonizadas por bactérias e fungos presentes em seus ambientes de trabalho. Podemos até imaginar um cenário no qual as bactérias de Lactobacillus e leveduras do tipo Saccharomyces nas mãos dos padeiros prevalecem sobre outros micróbios produzindo ácido e álcool, respectivamente.


Essa não foi a única descoberta incrível - quando olhamos quais bactérias estavam em quais culturas, descobrimos que quase todas as bactérias presentes na farinha estavam nas culturas. Nenhuma cultura de levain apresentou todas as bactérias presentes na farinha, mas a maioria das espécies presentes na farinha foram identificadas em pelo menos em uma das culturas. As espécies que foram introduzidas nas culturas através da farinha, incluíam micróbios presentes no interior do próprio grão de trigo que também são responsáveis pelo crescimento do grão.

Esses micróbios foram dominados por espécies que conseguem viver com os açucares presentes nos grãos e na própria farinha, incluíndo espécies de Lactobacillus. Os resultados foram similares para as leveduras, com pelo menos metade das leveduras encontradas, provenientes da farinha. Nenhuma bactéria ou levedura presentes nas culturas pareceu ter vindo da água.


Então porque a diferença entre as culturas? Em parte, essas diferenças são devidas ao acaso, quais espécies presentes na farinha conseguiram se estabelecer e quais estavam nas mãos dos padeiros. Como teorizamos, as mãos e estilo de vida dos padeiros influenciam suas culturas. As bactérias em cada cultura se igualaram as bactérias presentes nas mãos do padeiro que fez a cultura, mais do que se assimilavam às mãos de outros padeiros. O mesmo pode ser observado com os fungos, porém numa escala menor.


As mãos do padeiro contribuem com bactérias e fungos (e, presumimos, bactérias e fungos “sabor mão”) para a cultura de levain. Nós também observamos que as leveduras e bactérias da cultura não provenientes da farinha, água ou das mãos dos padeiros - sendo micróbios que provavelmente vieram da vida de cada padeiro.

Quando aos pães são assados usando essas culturas, com ingredientes idênticos com excessão dos micróbios algumas culturas fizeram pães mais azedos, outras mais cremosos, como julgado por um painel de degustadores de pães. Cada pão tem um “sabor de micro-organismos” único, influenciado pelo acaso, e pelos micróbios presentes na farinha, nas mãos dos padeiros e de suas padarias.

Tudo que aprendemos até o momento sugere que as espécies de micro-organismos são importantes e que todos estão certos, até certo ponto, da origem desses seres. Mas a maneira que nós inicialmente questionamos a relação entre ambiente, corpo e pão, esquece algo importante sobre o que agora descobrimos que está acontecendo com nossas vidas e com o que comemos.


Fazer pães é uma espécie de restauração de certos tipos de biodiversidade na nossa comida, nos nossos corpos e nas nossas casas de um jeito que conecta todos nós a esse processo. Quando produzimos culturas de levain, nossos corpos e casas saborizam o nosso pão de cada dia. E produzindo culturas de levain, as farinhas, as culturas, e os pães enriquecem nosso corpos e casas.


Interessado em ler mais sobre o projeto “Sourdough”? clique aqui.


Tirado do novo livro: Never Home Alone: From Microbes to Millipedes, Camel Crickets, and Honeybees, the Natural History of Where We Live de Rob Dunn. Reimpresso com a permissão de Basic Books, da Perseus Books, LLC, uma subsidiária da Hachette Book Group, Inc. Copyright © 2018 de Rob Dunn.


Veja Rob Dunn’s TEDxSantaCruz talk aqui: video.



Tradução: Marcelo Camargo.


 
 
 

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